A Batalha

In: Santos, Paulo J. F., Castelo Rodrigo na União Dinástica & no Portugal Restaurado, Município de Figueira de Castelo Rodrigo, 2017

Verso “SVB 6º REGE / ALPHONSO / CITIANDO O / EXércitº DE CASTelª / Que GOVERNAVA / O DVQue DE USUNA / A PRAÇA DE CASTelº / Rodrigo FOI SOCURIDA POR / Pedrº JACQUES DE MAG” /G’alhães DESTA PROVINCIA / Que O VENCEU EM / BATALHA NESTE / LUGAR,COM DES/IGUAL PODER A / 7 DE JULHO / DE 1664. E no reverso: E PARA FAZER / IMORTAL E / STA VICT/ORIA JOA/N DA FON/Seca TAVares M/ANDOV A/QVI LEVA/NTAR ES/TE PADRA/M NO SO/BREDITO / ANNO DE / 1664…”.

Cruz de Pedro Jaques de Magalhães, Monumento Nacional, Inscrição alusiva ao combate, epigrafada no Monumento Nacional.

Durante vinte e quatro longos anos, o povo português vinha dando prova de força e perseverança, pois oferecia resistência à mais poderosa casa real da época, tendo-a vencido nas Batalhas de Montijo, travada a 26 de maio de 1644; na Batalha de Elvas, que ocorreu a 14 de janeiro de 1659 e na Batalha do Ameixial a 8 de junho de 1663, conseguindo assim, manter a chama da Restauração acesa. Todos estes campos de batalha tiveram lugar na província do Alentejo, palco fulcral desta longa guerra, pelo menos até ao ano de 1663. Nesse ano e no seguinte, numa iniciativa conjunta dos exércitos espanhóis, vão ser levada a efeito, tentativas de desestabilização da fronteira do Alentejo e das Beiras.

No ano de 1663, relatava o MERCVRIO PORTUGUES, publicado no mês de julho “… pela província da Beira tinha determinado o Duque de Osunna, que governava as Armas daquela fronteira por Castela, fazer diversão a favor de D. João de Áustria, mas, ou a pouca diligência, ou a falta de gente, lhe não permitiu ajuntar poder considerável, se não depois de Dom Joaõ de Áustria estar vencido e em Alentejo haverem cessado as armas…”.

Sabemos bem que a Ação do Duque de Ossuna e de D. João de Áustria foi preponderante nesta fase da guerra. Alguns meses depois, em Dezembro de 1663, o mesmo MERCVRIO, volta a reportar atividades do Duque de Ossuna “… Chegaram ao exército inimigo mil & setecentos homens em dois terços que de Flandres conduzirão o marquez de Respur, e o Conde Philipe (…) ordenou el rey de Castela que ficassem ali, não se achando ainda com forças para fazer oposição aos nossos por aquela parte, mandou o Duque de Ossuna Governador de Armas de Castela a Velha, que entrasse pela Província da Beira, para chamar em socorro dela gente do minho…”. O jornal, dava assim eco às tentativas da coroa e exércitos espanhóis em submeter a vontade e a força das armas portuguesas, para assim recuperar Portugal.

Além do eco à ação do Duque, o MERCVRIO deu também realce à intervenção de Pedro Jaques de Magalhães, peça fundamental no defraudar das tentativas espanholas de recuperar o território português, na fronteira da Beira. Assim, relata o MERCVRIO de dezembro de 1663 “… continuaram os socorros da Estremadura, Leão e outras partes ao Duque, com que fez mais de mil e setecentos cavalos e cinco mil infantes. Então se atreveu a formar um corpo de seiscentos cavalos, e quatrocentos infantes, com que em vinte e cinco deste mês, foi ao lugar da Reygada, distante duas legoas de Almeida, ao pé de Castelo Rodrigo, imaginando achá-lo sem oposição, como naqueles dias havia estado, mas como os castelhanos andam tão desgraciados por todas as partes, sucedeu que na noite antecedente, por ordem do governador de armas Pedro Jaques de Magalhães, lhe havia entrado a metade de hum terço auxiliar de Trás-os-Montes. Este ousadamente saiu a esperá-los em umas paredes que junto do lugar querem imitar um mau reduto; dali se pelejou a sorte, que em algumas avançadas que o inimigo fez, perdeu três capitães de infantaria (…) e finalmente com grande descompostura se retirou demasiado apresado…”.

No ano de 1664, por ação e resolução do Governador de Armas do Partido de Ribacôa, Pedro Jaques de Magalhães, assiste-se a um redobrar da atenção para a linha de Fronteira. Essa necessidade de reforçar a fronteira na qual a praça de armas de Almeida desempenhava a função de Quartel General, residia nas notícias que iam chegando sobre a forte concentração de forças militares na praça de armas de Ciudad Rodrigo. Efetivamente, o Duque de Ossuna, D. Pedro Téllez-Girón, aproveitou o Inverno para delinear planos de ataque e, na realidade, a coberto da campanha de diversão, empreendida por D. João de Áustria no Alentejo (o governador de armas do Alentejo, D. António Luís de Menezes, 3º Conde de Cantanhede deu corpo ao plano de “acometer” contra o inimigo, passando, as forças nacionais à ofensiva. Assim, em maio desse ano, concentrou-se um numeroso dispositivo militar na praça de Estremoz, para avançar para Espanha. Em junho, e após o reforço da guarnição da praça de Estremoz o Capitão-General do Reino, o marquês de Marialva, saía daquela praça para levar a efeito tal plano, que em breve surtiu efeito, pois entre outras praças, Valência de Alcântara caiu em mãos portuguesas. O mesmo aconteceu a praças portuguesas, como Arronches, ocupadas pelas guarnições de D. João de Áustria, preparou e organizou um poderoso exército visando a invasão).

O grande objetivo do Duque de Ossuna, passava por montar uma grande ofensiva, que fosse decisiva contra a Beira, “…em q as armas do reino se achavaõ divertidas com Dom Ioão de Austria nos empregos de Alentejo…”. O ataque a Castelo Rodrigo gizado pelo Duque de Ossuna, deve ser enquadrado nos ataques e contra-ataques do Alentejo, que era o espaço para onde as forças espanholas projetavam o avanço de grande contingente militar. Convicto de que as forças da Beira estavam enfraquecidas, pois haviam saído para reforçar os esforços do Alentejo, o Duque de Ossuna, passa à ofensiva. Querendo com afã conquistar a praça de Castelo Rodrigo, decidiu fazê-lo por surpresa, pois, entretanto, organizou surtidas em outros lugares da comarca, obrigando as tropas portuguesas, a empreender várias saídas, em defesa de lugares e populações.

Mas o Governador de Armas do partido de Ribacôa, Pedro Jacques de Magalhães, que já havia dado mostras de grande valor e espírito empreendedor, vai novamente fazer jus a esses valores, não se limitando a aguardar ataques dos exércitos de Ossuna. A resposta foi célere, tendo o governador de armas entrado em Castela, atacando, e saqueando a povoação de Sobradillo.

Tendo novas dos insucessos das forças espanholas no Alentejo, mas sobretudo, desejoso de vingar o saque da vila espanhola de Sobradillo pelas forças portuguesas, o Duque de Ossuna, segundo relata o MERCURYO EXTRAORDINÁRIO de Julho, com o relato da Milagrosa vitória de Castelo Rodrigo “…saiu de Ciudad Rodrigo em 3 deste Julho com 4.000 infantes, 600 para 700 cavalos, nove peças de artilharia grossa & muita carruagem & aos 5 se pôs sobre Castelo Rodrigo, praça sem mais defesa que o bastante sítio, & uma muralha antiga, mas governada pelo Mestre de Campo António Ferreira Ferrão, cujo valor, & o de poucos companheiros supria todas as faltas…”. O Duque de Ossuna porfiou nos seus intentos e de surpresa, caiu sobre Castelo Rodrigo que era a chave da defesa da Beira durie. Ciente da importância de Castelo Rodrigo, que no caso de ser tomado pelos espanhóis, passava a ser um baluarte de onde a província seria posta a ferro e fogo e, percebendo o alcance do plano de Ossuna, o Governador de armas de Ribacôa, Pero Jacques de Magalhães, saí em socorro daquela praça.

Segundo os relatos da época, de que o MERCVRIO Português faz eco Castelo Rodrigo encontrava-se guarnecido, na ocasião, por uma pequena guarnição de apenas 150 homens, que “… Governava o Mestre de Campo António Ferreyra Ferraõ, soldado de conhecido valor…”.

Alertado pelo governador de Castelo Rodrigo, Pedro Jacques de Magalhães reuniu com urgência o maior número de forças portuguesas disponíveis e acorreu em defesa de Castelo Rodrigo, estabelecendo o seu acampamento na serra da Marofa. Dali, podia observar as posições das forças espanholas e observar o labor que punham nas constantes arremetidas contra Castelo Rodrigo. A guarnição, sitiada desde o dia 5 de Julho, resistia com grandes dificuldades.

Apercebendo-se do grave perigo que a guarnição corria, decidiu na alvorada do dia 7, fazer avançar a cavalaria, tendo esta caído de forma surpreendente sobre as forças espanholas, ocupadas no assalto à fortaleza. Das ações então mandadas executar pelo governador de armas da província, merecem especial referência duas situações: A primeira, que passou pela carga da cavalaria, sob o comando de António Maldonado e a segunda, que residiu no avanço rápido da Infantaria portuguesa que, seguindo no encalço da Cavalaria, desbarataram as forças invasoras.

O ataque de surpresa e forte da cavalaria comandada pelo Tenente-general António Maldonado, gerou o pânico nas hostes espanholas e obrigou-as a retirar. Persistindo no ataque, já com o apoio da infantaria, o até então exército sitiante, sem possibilidade de replicar e organizar-se, passou a exército em fuga. Foram estas duas ações gizadas por Pedro Jaques de Magalhães, tão importantes, porque foram decisivas na batalha, que se encontram hoje representadas no painel do palácio de Fronteira.

A batalha continuou e teve o desenlace final no lugar da Salgadela, (daí ter nascido o nome alternativo por que também é referida, batalha da Salgadela) e onde naquele mesmo ano, foi colocado um padrão comemorativo, hoje classificado como monumento nacional.

Na narrativa ligada à batalha, de que o MERCVRIO faz eco, destaca-se que o Duque de Ossuna e o próprio D. João de Áustria, apenas conseguiram escapar com vida e livres, porque disfarçando-se de frades, fugiram pelas arribas do Águeda, não sem penas e agonias, tendo passado à margem espanhola.

Como relata o MERCVRIO PORTUGUEZ extraordinário, publicado no próprio mês da Batalha “… o inimigo abandonava o campo de batalha deixando muitos mortos, feridos e prisioneiros, igualmente abandonando muito material de guerra, “com total perda do Exto Artilharia e bagagens sem q da parte dos portuguezes ouvesse mais q um soldado morto…”. Embora não possamos deixar de considerar o Mercurio Portuguez, um jornal informativo, os vários trabalhos de investigação já provaram, que o seu cariz iminentemente patriótico, fazia com que muitas vezes exaltasse em demasia as armas e os feitos dos portugueses.

Considerando a temática que aqui se aborda, Batalha de Castelo Rodrigo, tal parece não ser o caso. Efetivamente, não podemos deixar de relevar, a manifestação da grande surpresa que as tropas do Duque receberam pelo ataque português, pois abandonaram no campo de batalha, a artilharia, mas sobretudo, a secretaria do Duque, um valiosíssimo despojo, pois nele encontrava-se o arquivo pessoal, com documentos de grande interesse histórico, como o atestou na carta enviada ao REY, o insigne Governador de Armas do Partido de Ribacôa, Pedro Jaques de Magalhães.

O grandioso feito militar alcançado pelas forças portuguesas em Castelo Rodrigo, gorou a ofensiva empreendida pelas forças espanholas na Beira e desse modo, o ano de 1664, ficou profundamente marcado pelo sucesso das armas portuguesas O enorme patriotismo e valor militar revelados por Pedro jaques de Magalhães e pelos homens do seu exército ficam bem patenteados, no tributo que D. Pedro, Príncipe Regente de seu irmão (o Rei Afonso VI) lhe presta, ao atribuir-lhe o título nobiliárquico de Visconde de Fonte Arcada, por carta de 6 de fevereiro de 1671.

Se analisarmos a historiografia espanhola, A Batalha de Castelo Rodrigo, merece referências marginais, à semelhança do que acontece com todas as batalhas da Restauração, isto é, a Batalha do Montijo (26 de maio de 1644), a Batalha do Cerco de Elvas (14 de Janeiro de 1659), a Batalha do Ameixial (8 de junho de 1663) e a Batalha de Montes Claros (17 de junho de 1665), merecem escassas considerações.

Não obstante, aquilo a que se assistiu na Batalha de Castelo Rodrigo, foi a efetiva destruição de todo um exército. Efetivamente, se excetuarmos uns poucos cavaleiros, o grosso do exército foi capturado ou morto. Como escreveu Pedro Jaques de Magalhães, na missiva enviada a D. Afonso VI  e que o MERCVRIO PORTUGUEZ tornou pública “…No alcance atè o rio Agueda, forão degollados mil & duzentos infantes, & feitos prifioneiros mil & oitocentos, ficando affi quafi toda a infanteria como em hua rede. Da cavalleria foram mortos, & prifioneiros trezentos & trinta; os duzetos cavallos se recolherão logo; os cento & trinta forão aparecendo nos dias feguintes em diversas partes…”.

As perdas espanholas nesta batalha foram de facto, enormes. Se a isto juntarmos os mortos durante o cerco a Castelo Rodrigo, facilmente percebemos que três quartas partes do exército de Ossuna, desapareceu nessa batalha, ou tombando no campo ou tendo ficado prisioneiro.

Tais factos estão sumariamente atestados pelas próprias autoridades espanholas da época, que levantaram um auto “de acusación” e julgaram mesmo o comandante español, D. Gaspar Téllez-Girón y Pacheco Gómez de Sandoval Enríquez de Ribera, V duque de Osunna. Nesse julgamento, a acusação afirma “… y por no haber puesto el ejército en batalla, lo perdió todo, matándonos más de trescientos hombres, y quedando prisioneros más de mil quinientos, la mayor parte de ellos heridos, y por las listas consta faltaron dos mil ciento veinte y un soldados y ciento noventa y siete oficiales de la infantería, además de la gente que salió del Abadengo y del fuerte de la Concepción, que serían mil hombres, los cuales no consta hayan vuelto, y de la caballería faltaron ciento e quince caballos y toda la artillería [pérdidas totales de 3 433 hombres,…”.

Estes dados, permitem eliminar dúvidas e corroboram o que Pedro Jaques de Magalhães escreveu na sua missiva dirigida ao Rei D. Afonso VI e outrossim, as fontes portuguesas da época, que inventariaram uma perca total do exército invasor à volta de 3330 homens. A esta enorme perda de vidas, há que acrescentar a perca de todos os apetrechos, artilharia, carruagens etc., o que transforma a Batalha de Castelo Rodrigo numa enorme derrota militar e moral do Exército Espanhol.

O facto de o poderoso Duque de Ossuna ter sido acusado pelas autoridades, realça ainda mais o feito que as armas portuguesas alcançaram nos campos da comarca de Castelo Rodrigo. Alguns investigadores, vide Manuel Braga da Cruz, defendem mesmo uma intervenção pessoal do Duque de Ossuna, na tentativa de obter a libertação dos seus homens. Efetivamente, defendem que pouco tempo depois da batalha, o comandante das forças espanholas ofereceu pagar importante quantia de dinheiro à coroa Portuguesa, para obter a libertação dos prisioneiros, que foram conduzidos para a cidade da Covilhã, usando a brilhante alegação de que tantos prisioneiros espanhóis seriam um enorme e inútil peso para Portugal.

O Conselho de Guerra, que se reuniu a 29 de agosto de 1664, debateu a oferta e alegação do Duque de Ossuna, avisando que alimentar um tão excessivo número de reclusos ameaçava esgotar as reservas de pão da própria província da Beira.

Outro importante elemento que atesta a importância da Batalha de Castelo Rodrigo e a grande “depressão” que provocou na pessoa do Duque de Ossuna, está patente na missiva que o Marquês de Buscayolo, superintendente das fortificações de Castela e Conselheiro do Duque de Ossuna, dirigida ao Rei D. Filipe IV e tornada pública na obra, Opúsculos del Marques de Buscayolo, Madrid MDCCLXXXIX

Ali, percebemos a abrangência e a grandeza do feito militar que as forças portuguesas obtiveram no campo de batalha de Castelo Rodrigo. Escrevia o Marquês “….Un testigo ocular{{Cita|”No sé, Señor, qué improviso temor ocupó nuestra Infantería. No hallo palabras con que explicarle; y apenas tengo aliento para referirle. Si se le hubiera dado orden de arrojar las armas y huirse en oyendo la primera carga, no hubiera podido commayor prontitud ejecutarla: como río que saliendo de madre echa al suelo y arrastra consigo cualquiera obstáculo, así esta fuga tan repentina, y sin ocasión, atropelló los oficiales y cabos que quisieron detenerla. No menor desorden siguió en la caballería viéndose abandonar de la infantería, pues desapareció en un instante. Quedamos cada uno como quien despierta de un profundo sueño, en que le parece ver numeroso ejército, y abriendo los ojos se queda solo: (…). Los batallones del rebelde, que conocido el desorden, à rienda suelta corrían en alcance de mas provechosa victoria, cargaron con tal porfía al Duque y los pocos que habían quedado, que le quitaron en los despeñaderos de Agueda el caballo, y pudieron muchas veces matarle; pero con el deseo de hacerlo prisionero, no le ofendieron …”.

A citada missiva ganha ainda mais relevo, pois além de descrever o desânimo dos soldados castelhanos, procura desde a primeira linha, realçar o mérito posto pelo Duque de Ossuna no serviço das armas de “ S. Majestad el Rey” contra o “rebelde Português…”, esclarecendo em definitivo o descrédito que a Batalha de Castelo Rodrigo lançou sobre a pessoa do Duque de Ossuna.

Dito isto, para um mais cabal esclarecimento e análise da Batalha de Castelo Rodrigo, vamos ainda recorrer a D. Luís de Meneses, 3.º Conde da Ericeira, que alcançou prestígio militar ao distinguir-se (na batalha das linhas de Elvas em 1659, na do Ameixial em 1663 e na de Montes Claros em 1665). Empreendeu ainda trabalho de historiador, ao escrever a obra História de Portugal Restaurado, cujo primeiro volume foi publicado em 1679.

Ainda hoje o seu trabalho é o mais importante da historiografia portuguesa sobre a Restauração entre os anos de 1640 e 1668. A sua obra continua a ser um depoimento histórico importantíssimo e da maior relevância para o estudo da conjuntura político militar portuguesa dos anos de 1640 a 1668.

Escrevia o Conde da Ericeira, no relato que fez da Batalha de Castelo Rodrigo, ( pág. 649 até 654) onde atesta “…O Duque de Ossuna, que era de animo belicoso, dispoz a vingança com o empenho em todas as tropas, que lhe foy possível unir,(…) Juntou quatro mil infantes, setecentos cavallos, nove peças de Artilharia, quantidade de munições, & grande numero de carruagens, & a cinco de Julho amanheceu sobre Castello-Rodrigo, praça sem mays defensa, que hua muralha antigua; porèm situada em terreno defensável….”.

Neste primeiro momento, o Conde da Ericeira dá conta da vontade do Duque de Ossuna em vingar, certamente em alusão ao ataque das forças de Pedro Jaques de Magalhães a Sobradillo. Refere ainda que o contingente militar comandado por Ossuna era numeroso, composto por quatro mil infantes, setecentos cavalos, nove peças de artilharia e grande número de carruagem.

Se consultarmos os relatos, quer publicados pelo MERCVRIO Português, quer através da leitura da carta de Pedro Jaques de Magalhães, endereçada e levada pela mão de seu filho Henrique ao rei D. Afonso VI, constatamos que os números do contingente das forças espanholas, são correspondentes nos três documentos históricos. Numa alusão à capacidade defensiva da praça de Castelo Rodrigo, enquanto militar experimentado, relata a existência de uma muralha antiga, mas situada em terreno defensável, como o comprova o facto de as forças invasoras não haverem logrado dobrar as forças defensivas.

Continua o Conde da Ericeira, o relato da batalha, escrevendo” …Governava-a o Mestre de Campo António Ferreyra Ferraõ, soldado de conhecido valor; porèm sem mayor guarnição, que a de cento & cinquenta soldados, & pendia da subsistência della a melhor segurança da Província da Beira. O Duque de Ossuna fundando na deligencia o bom sucesso daquela empresa com o receyo dos socorros do Conde de S. João , & Affonso Furtado, que retirando-se da campanha de Valença, vinham em marcha para as suas províncias, & obrigado deste discurso no mesmo instante, em que chegou a Castello-Rodrigo, formou baterias, deu principio a aproches, & apertou por todas as partes incessantemente a Praça. Era muyto valerosa a resistência dos defensores; porèm como eraõ tam poucos, & combatidos por tantas partes, necessitavaõ de promptissimo socorro; aperto de que o Governador fez repetidos avisos a Pedro Jaques….”.

No excerto, destaca o reconhecido valor militar do Mestre de Campo António Ferreyra Ferrão, à altura o comandante da guarnição e outrossim, a diligência colocada no ataque pelo Duque de Ossuna, que receoso que as tropas portuguesas que se retiravam do Minho, viessem socorrer a praça, insistia nos ataques de artilharia.

Continua o relato, tendo escrito ”… Chegáraõlhe todos, & creceulhe justamente o cuydado de considerar o perigo daquela Praça tam vizinho, & muito distantes os meyos de socorrela: porèm ajudado em tanto aperto do seu valoroso, & incansável espirito, despediu correyos a todos os lugares, de donde podiaõ marchar Auxiliares, & Ordenanças, & em poucas horas sahiu em Campanha a esperar os socorros, que brevemente chegáraõ aquelles, que era possível, & juntou dous mil & quinhentos Infantes, quinhentos cavallos, & duas peças de artilharia de Campanha, se poz em marcha com tam poucos mantimentos, que não chegando o paõ de muniçaõ para o sustento daquele dia, foy necessário ao Mestre de Campo Manoel Ferreyra Rebello, que exercia o posto de Sargento Mor de Batalha, usar do extraordinário meyo de pedir aos soldados do seu Terço, ametade de hum paõ, que cada hum levava, para socorrer hum dos Terços de Ordenança, que marchavaõ sem elle. Alegres, & valerosos obedecèraõ os soldados, em todos os seculos gloriosos por esta acçaõ; poys raramente se achará exemplo de igual constancia, & sofrimento….”.

Neste excerto, o conde relata o cuidado que colocou Pedro Jaques de Magalhães no socorro da Praça, pelos avisos que recebeu do seu Mestre de Campo, pois pelo seu habitual espírito resoluto (valoroso & incansável), mandou que de todos os lugares se juntassem auxiliares e ordenanças, para sair em campanha e socorrer Castelo Rodrigo. Á frente de um contingente de dois mil e quinhentos infantes, quinhentos cavalos e duas peças de artilharia de campanha, avançou decidido e deligente.

O exemplo da partilha do pão é tradutor do espírito de que iam imbuídos os saldados portugueses, que à míngua de mantimentos, dividiram entre os terços de ordenanças o seu próprio pão, afirmando sem pejo, num aparte pessoal “… valerosos obededèraõ os soldados, em todos os seculos gloriosos por esta acçaõ…”.

Continuou o relato, escrevendo “…Com este pequeno numero de soldados intentou Pedro Jaques socorrer Castello-Rodrigo, vencendo a necessidade de ser socorrida brevemente a Praça as grandes, & perigosas dificuldades, que se lhe representavaõ; porque romper o quartel do Duque de Ossuna parecia temeridade impossível de vencer pelo numero inferior, & qualidade daquele pequeno troço; & tomar quartel à vista dos Castelhanos para lhe dificultar os aproches, & assaltos, não o permitia a falta de mantimentos, & a de carruagens para os conduzir, q era invencivel:porèm fiado na Divina Providencia, de que parece o faziaõ merecedor as suas grandes virtudes, continuou a marcha, repartindo todas as ordens Manoel Ferreyra Rebello, & governando os quinhentos cavallos o Tenente General D. Antonio Maldonado. Teve principio a seys de Julho, às quatro horas da tarde, & continuando-a com grande silencio, amanheceu na Serra da Marofa, que ficava superior ao quartel dos Castelhanos, não sendo sentido das partidas avançadas….”.

Neste fragmento, mais uma vez, são destacadas as grandes virtudes de Pedro Jaques de Magalhães e outrossim, o importante papel desempenhados pelo Mestre de Campo Manoel Ferreyra Rebello, que exercia o posto de Sargento-mor de Batalha e o Tenete-General D. António Maldonado, que conjuntamente com o Governador de Armas, empreenderam marcha para Castelo Rodrigo pelas quatro da tarde de 6 de Julho.

Escreve ainda o conde da Ericeira “….Naquella madrugada mandou o Duque de Ossuna dar hum assalto à Praça por todos os postos, por onde podia ser atacada, & sendo valorosamente combatida, realçou mays a constancia, com que foy conservada, executando o Governador acções dignas de particular memoria. Este sucesso serviu de mayor estimulo a Pedro Jaques, & a todos os que o acompanhavaõ, & a luz do sol lhe descobriu ganhada a barbacã & na Campanha quantidade de corpos mortos. Julgou Pedro Jaques este tempo conveniente para intentar o socorro, entendendo que os Castelhanos estavam cançados do asslto, & receando novos socorros, que tinha noticia vinhaõ marchãdo a se encorporarem com o Duque de Ossuna, sendo os mays prontos o Commissario Geral da Cavallaria D. Joaõ Robles com trezentos cavallos, & o Terço da Serra da Gata com Mil Infantes, que a noyte antecedente haviaõ chegado a CiudadRodrigo, & estimulado destes mesmos perigos resolveu intentar o socorro, por não acrescentar o danno….”. Aqui, relata que desde a Marofa, vislumbrou os ataques constantes dos castelhanos, bem como a valorosa resistência dos defensores, bem patente no número de corpos espanhóis que jaziam na campanha.

Continua a narrar a batalha, escrevendo “…Alegre, & resoluto passou por todos os Terços. & cavalaria, lembrando aos soldados com semblante generoso a justiça da causa que defendiaõ, o valor de que eraõ dotados, os excessos que o Duque de Ossuna havia exercitado naquela Provincia, tirando a vida a miseraveys, & dando fogo às sementeiras; Extorsões que obrigavaõ a clamar ao Ceo os interessados, & que mostravaõ pendente o castigo merecido, & ultimamente a sua felicidade tantas vezes experimentada. Referidas estas razões, & reconhecendo no alvoroço, com que foraõ ouvidas, a resolução dos soldados, compostos os Terços, & as Companhias de Cavallos, marchou a buscar os inimigos…” Neste excerto, constata-se a capacidade de encorajar as hostes portuguesas em resultado das palavras proferidas por Pedro Jaques de Magalhães, bem como o avanço resoluto com que se atacou o exército do Duque de Ossuna.

Continua o seu relato da batalha, escrevendo “…O Duque de Ossuna estava tam fóra de padecer este sobresalto, que o som das trombetas, & caixas foraõ os primeiros batedores, que lhe deraõ noticia da resolução de Pedro Jaques, entendendo que lhe seria impossível tomala, sem haver chegado o Conde de S. Joaõ, & Affonso Furtado, que estava seguro se achavaõ muyto distantes. Confuso com este contra-tempo, sem acertar o remedio, nem acodir à defensa, foy a primeira ordem mandar dar fogo às trincheiras das baterias, & aproches, que havendo-se composto de paveas dos trigos segados, ardèraõ facilmente, & acenderaõ de forte o temor em todos os soldados Castelhanos, que entre medo, & confusão lhes não ocorreu mays pensamento, que a retirada….”.

Fica patenteado no excerto, a confusão que gerou o ataque surpreendente das forças de Pedro Jaques de Magalhães e o pânico que tomou o Próprio Duque de Ossuna, que mandou as trincheiras das baterias atacar as forças portuguesas, mas a ação dos ventos, originou um forte incêndio, que teve o condão de despertar o temor nos soldados castelhanos, que rapidamente retiraram.

Continua ainda o relato da batalha, escrevendo ”…Reconheceu Pedro Jaques o não imaginado socorro, com que o Ceo dispunha a sua felicidade no pânico temor dos Castelhanos, & com valerosa resolução apressou a marcha, & fez adiantar os batalhões com mangas de mosqueteyros, seguindo a D. Antonio Maldonado o Terço de Manoel Ferreyra Rebello. A pouca terra, que avançáraõ, se fizeraõ senhores de hua peça de artilharia, & como fosse manifesto sinal de vitoria, marchou pedro jaques a toda a diligencia a dar calor aos que havia mandado avançar. Os Castelhanos passáraõ a Ribeyra de N. Senhora de Aguiar, que lhe ficava visinha, & voltando alguns as caras, deraõ hua carga tam mal sucedida, que não fez danno algum nos que determinavaõ passar o porto, que o conseguiraõ sem outra oppossição, & reconhecendo o ultimo desmayo dos Castelhanos, os investíraõ valerosamente, & em brevíssimo espaço foraõ todos desbaratados….”. Uma vez mais, é exaltada a decisão de Pedro Jaques de Magalhães, que “beneficiando da proteção divina”, mandou apertar as forças espanholas, com o avanço dos mosqueteiros e da cavalaria.

Não obstante uma última tentativa mal sucedida das forças de Ossuna, que recorrendo à artilharia atacaram os portugueses. Continuando o relato, mais escreve o conde da Ericeira, “… O duque de Ossuna vendo sem remedio a sua fatalidade, seguido de poucos cavallos, & cõ trage dissimulado passou o Rio Agueda,…”.

Corroborando o que o MERCVRIO português havia já relatado, a forma pouco digna com que o Duque de Ossuna abandonou o campo de batalha, para os padrões da época, mais enfase dão à vitória das armas portuguesas.

Dando continuidade ao relatar a batalha, escreveu ainda o conde da Ericeira ”… & ficou na campanha despojo dos nossos soldados toda a Infantaria, artilharia, bandeyras, munições, & bagagens, & a mayor parte da Cavallaria. Morrèraõ mil & duzentos Infantes, os mays vieraõ prisioneyros, entrando nelles o Tenente General da Cavallaria D. Antonio Issaci, o Capitão de cavallos D. Joaõ de Chaves Maldonado, os Sargentos Mayores D. Antonio Colmenero, & Christovaõ Honorato, Dezoyto Capitães de Infantaria, seys Ajudantes, Vinte & oito Alferes. Ficáraõ entre os mortos quatro Mestres de Campo, outros Officiais, & G. Joaõ Giron, filho illegitimo do Duque de Ossuna. As peças de artilharia foraõ nove, quatro petardos, quinhentas carretas carregadas de munições, & mantimentos, & a secretaria do Duque de Ossuna com os segredos mays íntimos da sua occupaçaõ. Da nossa parte não houve perda algua, & signaláeaõ-se neste felice sucesso Manoel Ferreyra Rebello, que foy hum dos que estimuláraõ com grande valor a Pedro Jaques a que atacasse a batalha, D. Antonio Maldonado, Antonio Veloso de Figueyredo, os Capitães de Cavallos Paulo Homem Telles, Antonio Ferrão de Castello-Branco, João Soares de Almeyda, Christovaõ Correa Freyre, Martim Affonso de Mello, o Sargento Mayor Joseph de Figueyredo da Silveyra, O Governador da Comarca de Pinhel Alvaro Sarayva da Gama, Francisco Coelho Ozorio, Alcayde Mòr de Castello-Mendo, o Sargento Mayor Antonio de Figueyredo. O Duque de Ossuna se retirou com grande trabalho, principalmente na passagem do Rio: Recolheu-se a S. felices, & logo passou a Ciudad-Rodrigo. Triunfante se retirou Pedro Jaques para Almeyda, havendo alcançado hua vitoria, se não imaginada, bem merecida do seu grande valor, & resolução. Mandou a nova a ELREY por seu filho Henrique Jaques, em quatorze anos de idade imitador do valor de seu pay, que exercitava o posto de Capitão de Infantaria. Celebrou-se na Corte esta nova com as demonstrações, que merecia tanta felicidade, & Pedro Jaques animado a novos progressos, havendolhe chegado os socorros, que remeteu a Alentejo, sahiu a 3 de Agosto de Almeyda com dous mil Infantes, & setecentos cavallos a queymar a Villa de Serralvo em Castella a Velha, sete legoas distante de Almeyda…”.

Neste excerto, o Conde da Ericeira, faz eco do grande espólio que o exército de Ossuna abandonou no campo de batalha, destacando alguns militares, cujos nomes reproduziu, que foram fundamentais no sucesso das armas portuguesas. Não obstante a importância e a valorosa vitória obtida nos campos de Castelo Rodrigo, de que deu eco ao Rei D. Afonso VI, na pessoa de seu filho, Pedro Jaques de Magalhães, continuou a porfiar na defesa da coroa e do Portugal restaurado, como o atesta o ataque que menos de um mês depois organizou à vila de Serralvo.

A ênfase que os portugueses dão à Batalha de Castelo Rodrigo, bem visíveis na edição do Mercúrio Português, quer no número especial quer no que reproduz a carta de Pedro Jaques de Magalhães, não encontra refutação alguma em documentos similares espanhóis.

Efetivamente, nos relatos que pudemos analisar da “…relacion de las armas de su Magestad el REY…”, escrevem os espanhóis, em poucas linhas e em alusão a esse importante evento para a Restauração de Portugal “…En 1664 el avance portugués continuó bajo el mando – más político que militar – del conde de Castel Melhor, y Valencia de Alcántara fue conquistada en mayo sin mucho esfuerzo. Para contrarrestar esta ofensiva, el duque de Osuna llevó a cabo una nueva invasión desde Castilla con un importante cuerpo de ejército, pero resultó completamente vencido en Castelo Rodrigo y Almeida, de donde debió huir, según la leyenda extendida por todo el reino portugués, vestido de fraile, perdiendo sus bienes personales e incluso su archivo familiar …”.

A Batalha das forças Portuguesas, superiormente comandadas por Pedro Jaques de Magalhães, homem que se vinha destacando no Governo das Armas do partido de Ribacoa, constituí mais uma página importante da história do secular concelho de Castelo Rodrigo. Efetivamente, na envolvente da velhinha muralha e posteriormente nos campos que mediam até à veiga da Salgadela, em Mata de Lobos, esgrimiu-se um dos momentos militares mais emblemáticos e importantes para a história de Portugal Restaurado.

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